“Uma Crônica de Natal”

Conta-se que num determinado país frio da Europa, desses em que no período do Natal a neve cai e cobre tudo de branco, existia um Sapateiro viúvo e afastado de seus filhos, que por terem crescido e formado família, não mais viviam com ele.

Nicolai, esse era o nome de nosso personagem, vivia sozinho em seu pequeno estabelecimento, que para ele era seu ganha-pão durante o dia, uma pequena Sapataria, e à noite era sua moradia, tendo, aos fundos, sua cama e uma lareira para aquecê-lo. A cidade, por causa do frio intenso, à noite parecia deserta, pois as pessoas para se abrigarem do frio, quase não saíam de casa. Nicolai por sua vez, dada a solidão em que vivia, procurava agasalhar-se bem e todo dia, após fechar a Sapataria e tomar um caldo ralo que era aquecido na lareira ao lado de sua cama, procurava, então, sair para breves passeios pelas ruas totalmente cobertas de neve.

Nicolai era um homem triste; a solidão o havia tornado uma pessoa calada e até um tanto carrancuda. Apesar de ser um excelente Sapateiro, era tido pela população local, como rude e, portanto, poucos clientes possuía, o que lhe proporcionava uma vida dura e com bastantes restrições. Mas na verdade, era a falta que a esposa, falecida há muitos anos, lhe fazia e a debandada dos filhos, que o tinham levado a esse estado de amargura. Assim, para ele, os dias apenas se sucediam e ao cair da noite, o melhor que tinha para fazer, antes de dormir, era dar esses breves passeios pelas geladas ruas de sua cidade. Pois foi num desses passeios que Nicolai, com os sapatos que ele mesmo havia feito para si, tropeçou em algo escondido debaixo da neve. Parou, afastou a neve que cobria aquilo que o havia feito tropeçar e qual não foi sua surpresa ao descobrir debaixo da neve um livro todo preto.  Tomou nas mãos o livro e procurou ver se existia um nome grafado nas páginas, que denotasse o seu dono. Nada encontrou… Curioso com o livro colocou-o debaixo do braço e rumou de volta para a sua Sapataria, pois à luz de vela poderia ver melhor do que se tratava tal livro.  Ao chegar, entrou, retirou o casaco um tanto coberto de neve, pois muito embora já houvesse significativa quantidade de neve nas ruas, ainda continuava nevando mais; em seguida, colocando mais lenha em sua pequena lareira, acendeu a vela que ficava em cima da pequena mesa que ele utilizava para fazer as refeições, ao lado da cama, no pequeno cômodo logo atrás da sua sapataria e então, se sentou para examinar o Livro Preto.

Nicolai sabia ler, havia frequentado a escola básica e aprendera, porém, já há muitos anos não mais praticava a leitura, por falta de condições financeiras para adquirir os livros.

Sob a luz da vela que acendera em cima do candelabro de cobre, que repousava em sua mesa de madeira, Nicolai foi virando as páginas iniciais do Livro Preto e foi numa delas que se deparou com o título do livro: Bíblia Sagrada.

     Parou um instante e pensou: – Como alguém poderia perder um livro como aquele e quem seria o dono da Bíblia, já que não havia sequer um nome identificando o mesmo?

Curioso foi virando suas páginas, até chegar ao primeiro livro da Bíblia, Gênesis, e, foi passando seus olhos sobre os versículos, um a um, lendo, após anos de afastamento dos livros, aquilo que ali estava escrito.

Entretendo-se, foi seguindo com a leitura e percorrendo as páginas, encontrando outros capítulos e lendo-os sem se cansar.

Com tamanho interesse na leitura, Nicolai não se apercebera que as horas haviam passado e que havia ficado a noite toda ali, entregue a leitura da Bíblia, tanto que a vela que acendera quase que havia se consumido por completo. Já era dia e o horário de abrir a Sapataria se aproximava. Nicolai, sem sentir o cansaço de uma noite em claro, então marcou a página em que havia parado e foi para as suas tarefas costumeiras do dia.  Porém, aquele estava sendo um dia diferente para ele, pois não conseguia se concentrar no trabalho, seus pensamentos voltavam no que havia lido durante a noite e madrugada adentro.  Eram relatos interessantes e que se fixaram na mente dele e que voltavam, tal como se mentalmente ele estivesse relendo novamente os mesmos capítulos.  Aprofundou-se tanto nas lembranças enquanto trabalhava em sua bancada, que mal percebia quando algum conhecido passava em frente da sua Sapataria e o cumprimentava.  E assim foi seu dia, o martelo era usado para pregar as solas e a mente fixava-se nas histórias dos livros iniciais que compunham a Bíblia.

Pouco antes do horário de fechar, Nicolai interrompeu o trabalho, fechou a Sapataria e saiu para a rua.  Precisava de uma nova vela, pois a que possuía já estava no final e ele não queria ficar no escuro, já que a leitura o estava chamando de volta.

Comprou a vela, maior que a de costume, e rumou rapidamente para casa. Ao chegar, fez sua refeição breve, que foi um prato de caldo, o mesmo da noite passada, e mais um pedaço de pão, e tão logo terminou, acomodou-se na cadeira à frente de sua pequena mesa de madeira e abriu na página que havia marcado e foi logo seguindo com a leitura.

Essa mesma rotina começou a se repetir diariamente e Nicolai, fascinado com o que estava encontrando naquelas páginas, não mais conseguia deixar de se dedicar a essa leitura, trocando horas de seu sono para poder conhecer o que aquele Livro Preto contava.

Quando encontrara o livro escondido embaixo da neve, ainda era o início do ano e após tanto tempo dedicado à leitura, os meses haviam se passado e já se contava cerca de três meses para a chegada do Natal, quando, enfim, Nicolai chegou ao Novo Testamento.  Intrigado com essa divisão no Livro Preto foi logo em busca de ler do que se tratava.

Assim, dia após dia, ou melhor, noite após noite, Nicolai agora tomava contato com a história de Jesus, narrada pelos quatro Evangelistas e qual não foi sua surpresa em perceber algo de muito grande naqueles relatos. Nicolai estava vendo, além da história narrada que mencionava os atos de Jesus, um importante ensinamento naquilo tudo.

Os dias foram se passando e Nicolai chegou ao capítulo em que Jesus, no Sermão da Montanha, ensinou o povo a orar. Ao se deparar com aquela oração que Jesus ensinou, Nicolai maravilhou-se e a releu tantas vezes quantas foram necessárias, até que a tivesse decorado. Em seguida, de olhos fechados, repetiu mentalmente a oração aprendida. Viu que era capaz de guardá-la. Em seguida, a repetiu, agora em voz branda e de olhos fechados.  Conseguiu mais uma vez. Sentia-se bem e feliz e após aquela experiência, resolveu se deitar para pensar mais naqueles sentimentos que estava sentindo.

Nicolai adormeceu e passou a sonhar.  Sonhou que era um daqueles que ouviam Jesus, no Sermão da Montanha, a pregar e a deixar ensinamentos maravilhosos para o povo.  Em seu sonho via-se ali, bem próximo ao Rabi.  Tinha uma outra aparência, mas era ele mesmo…

Ao acordar, Nicolai estava se sentindo como há muito tempo não se sentia.  Paz era a palavra que mais expressava a sua situação.

Trabalhou e ao final do dia, quando já fechava sua sapataria, Nicolai deu-se conta que era véspera de Natal.  Então lembrou com saudade da esposa e dos filhos…

Naquela noite, tratou de preparar uma refeição um pouco melhor, com os parcos recursos que possuía. Fez pão, preparou um novo caldo, agora mais elaborado e com um pedaço de toucinho para dar-lhe mais sabor.  Arrumou a pequena e velha mesa, colocando a única toalha que possuía. Em seguida, arrumou dois pratos na mesa, um para ele e um para o Convidado Especial. Trocou de roupa, buscando vestir sua melhor vestimenta. Em seguida, colocou nos dois pratos o caldo enriquecido pelo toucinho e abriu uma velha garrafa de vinho que estava embaixo de sua cama e que ele guardava para uma ocasião especial. Serviu dois copos, um para ele e um para o seu Convidado Especial. Acomodou-se na cadeira e então fez a prece que havia aprendido tão bem, agradecendo a Deus, tal como Jesus o havia ensinado, através da descrição dos Evangelistas.  Aquela estava sendo sua Ceia de Natal…

Nicolai, ao terminar de pronunciar a prece, fez então o convite para que Jesus viesse cear com ele naquela noite, dizendo que o que ele tinha de melhor, ali estava.

Ao abrir os olhos após a prece, olhou com carinho para o prato do Convidado Especial a sua frente e disse que tivesse um “bom apetite”. Sorveu com muito prazer o seu caldo, alternando com algumas goladas do doce vinho que envelhecera embaixo de sua cama.

Nicolai estava feliz, havia encontrado nas páginas daquele Livro Preto, algo que para ele havia dado uma nova direção a sua vida, sobretudo nas páginas do Novo Testamento, algo que ele lia e que não lhe parecia estranho, mas que lhe falava fundo na alma. E tal como se seu Convidado Especial estivesse ali sentado a sua frente, Nicolai passou a falar, a contar da sua vida, relembrando os tempos felizes com a esposa e a chegada dos filhos, o ofício que aprendera com o pai, ainda quando menino, a Sapataria que herdara do pai quando este morrera.  A tudo isso Nicolai lembrava e verbalizava.

Após sentir-se satisfeito com o caldo que tomara e com o vinho que lhe havia aquecido internamente, resolveu deitar-se um pouco em sua cama, ali logo ao lado.

Deitou-se e olhando fixamente para o local onde havia colocado o prato do seu Convidado Especial, agradeceu pela agradável noite que tivera.  Pensou que há muito tempo não se sentia daquela forma e em seguida, adormeceu.

Nicolai adormeceu, mas logo em seguida abriu os olhos e um forte clarão havia em seu pequeno quarto. Não sabia o que era, somente se sentia atraído pelo clarão. Levantou-se da cama e foi em direção ao clarão, não sem antes olhar para trás e ver que ele ainda se encontrava deitado na cama. Não entendeu bem o que estava acontecendo, mas a atração foi tão grande que caminhou e foi totalmente envolvido pela luz, que a partir daquele momento brilhou muito mais, e nada mais pôde perceber, tamanha era a intensidade daquela luz.

Após alguns momentos, a luz diminuiu e ele então pôde se ver em um local diferente.  Era um jardim belíssimo, não havia neve e o clima era agradável. Então avistou, repousando sob uma árvore, aquela que havia sido sua esposa e que acenava para ele. Nicolai correu em sua direção e a um abraço afetuoso se entregou, deixando lágrimas rolarem de sua face. Ao abrir os olhos, ainda envolto nos braços de sua esposa, avistou a sua frente sorrindo para ele, seu pai e sua mãe. A emoção nesse momento foi forte e Nicolai entregou-se também ao abraço deles.  As palavras não lhe saíam, tamanha era a alegria em vê-los e, num gesto carinhoso, sua esposa repousou os dedos sobre seus lábios indicando que não falasse, apenas sentisse.  Então, envolto pelos três, sua esposa, sua mãe e seu pai caminharam por aquele jardim, ao som de pássaros que cantavam doces melodias e sendo atingido por inebriantes perfumes naturais que iam e vinham com as suaves brisas que por lá sopravam.  Era o auge da emoção para Nicolai…

Assim, ao raiar do dia, Nicolai abre seus olhos e se vê de volta em seu pequeno quarto, já iluminado por pequenos rastros de luz que vazavam da cortina entreaberta que se punha à frente da janela. Nicolai então, ao dar-se conta que despertara, colocou a mão sobre seu coração e pensou que tudo aquilo fora muito mais que um sonho, fora muito real para ele…

Ao levantar-se para começar sua rotina, deu-se conta que era Dia de Natal, então resolveu que não iria abrir a Sapataria. Iria desfrutar da leitura do seu Livro Preto e se lembrar do que, para ele, fora muito mais do que um sonho.

Assim então o fez, após despertar completamente e tomar um desjejum, se preparou para sentar e mergulhar nas páginas do Novo Testamento, quando escutou batidas na porta da sua Sapataria. Intrigado com quem o procurava no Dia de Natal, mas sem vontade de atender, ficou breve instante, quieto, pensando em não abrir a porta. As batidas então se fizeram ouvir novamente e Nicolai pensou que, realmente, não iria abrir seu estabelecimento naquele dia, pois havia tido uma noite incrível e queria rememorá-la. Então, uma voz conhecida se fez ouvir após novas batidas na porta. A voz proferiu uma palavra que ele não ouvia já há bastante tempo.  A palavra era: Pai!

Nicolai estremeceu e ao aguçar seu ouvido, novamente ouviu a palavra que o chamava, para ver se ele estava em casa: Pai!…

Levantou-se da cadeira, caminhou até a porta e ao abri-la viu que era um de seus filhos, acompanhado pela esposa. Abraçou com emoção ao filho e em seguida à nora, que trazia nos braços um pano enrolado.  Ao colocá-los para dentro para que se abrigassem do frio, viu então a esposa de seu filho retirar de dentro de um manto muito bem enrolado, uma criança ainda recém-nascida e ouviu de seu filho que aquele era seu neto.

Nicolai, tomando nos braços a frágil criaturinha, deixou rolar pelo seu rosto, lágrimas de emoção, e não tinha palavras para descrever o que sentia.

Ainda absorto em suas emoções ouviu novamente batidas à porta.  Então pediu ao filho que verificasse quem era e que dissesse que a Sapataria estava fechada.  Seu filho foi e logo voltou e, para a surpresa de Nicolai eram seus outros dois filhos que também tinham vindo visitá-lo.

A emoção se fez naquele pequeno quartinho e entre abraços e lágrimas, Nicolai pôde então, em um canto do quarto, notar uma luz diferente que só era vista por ele. Era uma diminuta luz que tinha a mesma tonalidade daquela forte luz da noite anterior. Quando Nicolai a fitou, essa luz piscou fortemente e em seguida desapareceu, sem que os demais pudessem ter notado.

Após a emoção inicial, e quando todos estavam acomodados e a esposa de seu filho mais velho, aquele que havia lhe dado um neto, já cuidava do almoço do Dia de Natal, pois seus filhos haviam providenciado carne de vitela e batatas, ele ouviu de seus filhos a mesma constatação que no dia anterior, a véspera do Natal, eles não paravam de se lembrarem do pai e que sentiram uma vontade irresistível de vê-lo e então rumaram para a cidade onde o pai vivia, sem se darem conta de que os irmãos tiveram a mesma idéia.

Nicolai ouvia tudo aquilo e lembrava-se da experiência na noite anterior e pensava no Sermão da Montanha e nos ensinamentos de Jesus.

Assim que a comida ficou pronta e todos se acomodaram no singelo quarto, Nicolai convidou a todos para orarem com ele, em agradecimento por aquele momento. Um tanto estupefatos pelo gesto não característico do pai, mas inebriados pelo agradável clima familiar ali presente, os filhos e a nora acompanharam Nicolai na prece que ele aprendera tão bem, culminando em um dia maravilhoso.

A partir daquele dia, Nicolai nunca mais foi o mesmo homem, seu coração havia se modificado. Tudo o que ele tinha encontrado naquele Livro Preto, sobretudo no Novo Testamento, somente o preparou para as experiências que veio a ter e que mudaram sua vida.

Passou a trabalhar mais feliz e essa felicidade trouxe um clima agradável a sua Sapataria, que fez com que os clientes que andavam sumidos começassem a voltar e assim sua vida melhorou.

Nicolai havia tido um encontro que mudou sua vida e, se para ele, Jesus se apresentou como um forte clarão, para cada um de nós poderá ser de outras formas. Uma brisa agradável, um dia ensolarado, um bem-estar no coração.  Essas podem ser algumas das formas que Jesus se faça sentir na vida de cada um de nós, basta que procuremos e encontraremos a presença Dele próxima de nós.

Com isso, façamos como Nicolai, aproveitemos desse encontro para mudar nossa vida, encontrar a felicidade e saber que somos realmente importantes.

E sempre que quisermos ter uma conversa mais reservada com Jesus, façamos também como Nicolai, que se recolheu ao seu pequeno quartinho e se pôs a pronunciar a prece que ele aprendera tão bem e que abriu as portas para o diálogo que ele passou a ter todos os dias com Jesus.  Façamos, então, o mesmo, entremos para o pequeno quartinho do nosso coração e peguemos a chave chamada Prece, que abre as portas do diálogo com Jesus, daí então, seremos nós com Ele…

Nós, os Espíritos Amigos e a Espiritualidade Líder da Casa de Caramuru, queremos desejar a todos os irmãos e irmãs, um encontro com Jesus no dia do Seu aniversário, e que esse encontro seja para todos, apenas o primeiro dia dos muitos diálogos que poderão ter com Ele.

Feliz Natal e um Próspero Ano Novo a todos, repletos da Paz de Jesus!

Equipe de Jornalistas

Paulo, Pyter, John e Vladimir